Aqui seguem as considerações finais de los cuatro amigos viajeros, começando pelo Serginho que conta sua viagem a partir do dia que nos separamos em Rosario.
SERGINHO
Começando a história a partir da parte que me cabe, já que
nos separamos em Rosário, Argentina.
Seguia eu tranquilo na viagem, já sabendo que meu pneu não
estava em ótimas condições ainda na saída para a viagem e por isso, em
silêncio, para evitar bronca dos amigos, ia monitorando seu desgaste. Eu não
contava com o calor escaldante argentino e já na volta, desistindo de uma
ultrapassagem, acabei por fritar o pneu para voltar para minha pista. Estava
guardando o comentário da fritada para a próxima parada, já que foi uma
situação meio perigosa porque a moto, pesada como estava, “sambou” a traseira.
Mas esse comentário perdeu a graça quando vi o que aquela freada tinha rendido:
pneu na lona. Putz, ainda faltava mais de 1200km pra chegar em casa e trocar o
pneu.
Que fique claro que não estou me justificando e aproveito o
espaço para pedir, publicamente, desculpas aos amigos pelo meu vacilo em
relação à condição do pneu. Quando vi aquilo pensei em não falar nada com
nenhum deles, mas me impressionou tanto que a exclamação – em voz alta, sem
querer – foi escutada pelo Rodrigo. O Ilo nem queria que eu continuasse andando
por causa do perigo. Ainda rodamos mais cerca de 160km até Rosário, que era a
maior cidade por perto, e eu sendo escoltado pelos amigos a uma distância
segura bem mais lento do que vínhamos andando.
Chegamos em Rosário – já era programado entrar na cidade
para ver o movimento do Rally Dakar, cujas máquinas e pilotos estavam se
apresentando numa das principais praças da cidade. Eu mal vi aquilo. Estava
desolado com meu amadorismo, ainda mais que já tínhamos procurado por lojas na
cidade e todas estavam fechadas. Aquela colonização espanhola me enchia de
esperanças antes de chegarmos à cidade, esperando que a ciesta fizesse com que o comércio ficasse aberto ate mais tarde,
inclusive no sábado. Doce ilusão. Estava tudo fechado.
Procuramos um hotel para que eu pudesse ficar – e esperar
até segunda, quando o comércio estaria funcionando normalmente. Acontece que já
tínhamos uma recomendação de que Rosário é perigoso e pra reforçar um camarada
desceu da sacada de seu apartamento para avisar que não deveríamos deixar as
motos sozinhas enquanto assistíamos a apresentação do Dakar (e entendemos bem o
porquê). O hostel que fiquei chegou a me assustar. Parecia coisa de filme de
terror (Hostel Point), mas depois fiz umas amizades lá que me tranquilizaram e no
final já estava tranquilão. Meus camaradas me deixaram lá e seguiram viagem até
sei lá onde, porque não conseguia conversar com eles.
Como eu já estava lascado mesmo, fui pelo menos almoçar bem
(Don Ferro), às margens do Rio Paraná. Llomo de responsa, mas a conta cara pra
c¨%$¨%(&. Finalmente chegou segunda-feira e eu, com tudo arrumado, já saí
pra achar a loja e comprar o pneu. Meu Deus, que luta! Saí pensando em procurar
o melhor preço, depois passei a pagar qualquer preço e depois só queria achar o
pneu. Encontrei numa loja (Sandin Repuestos) – depois de muuuito rodar
procurando – uma medida diferente, mas que serviria na minha moto. Depois disso
a saga seria encontrar onde trocariam. Parafraseando Chitãozinho e Xororó,
“andei, andei, andei até encontrar...” a Moscato Neumáticos y Servicios.
Caramba, Octavio Moscato é um cara de valor. Mandou que fizessem o serviço na
hora e quando fui pagar, o cartão não queria passar (na Argentina eles têm um
certo problema com cartões com chip) e eles disse: “não precisa pagar”. Acho
que ele foi com a minha cara. Ele foi tão gente boa que eu não tive coragem de
aceitar a oferta e paguei com os pesos que ainda me sobravam (poucos). Ainda na
Moscato conheci Luis, argentino que está de viagem marcada pro Brasil
(Bombinhas, SC) de carro e estava lá dando uma geral pra rodar. Gente fina
também, me deu uns toques sobre melhores rotas e até me chamou pra almoçar na
casa dele. ;o)
Depois de tudo isso, consegui sair de Rosário por volta das
13h45 (horário argentino) e cheguei a Uruguaiana por volta das 21h. Boa é que a
aqui no sul o sol se põe bem tarde, ainda mais no horário de verão. Na verdade
eu só queria estar no Brasil de novo, sentir a segurança do próprio país (por
mais problemático que seja..ehehe).
Em Uruguaiana encontrei com um chegado que deu umas
indicações de hotel e de um “xis”, que é o sanduíche do sul (um pouco diferente
do sudeste).
Acordei cedo em Uruguaiana no dia seguinte, troquei o óleo
do motor. Queria trocar as pastilhas de freio traseiras, mas em Uruguaiana não
consegui achar o modelo que servia na minha moto. Então me pus na estrada de
novo sem freio traseiro, de Uruguaiana a Santo Ângelo – só freio dianteiro e
motor. Um calor sem condições. Sem GPS fui usando a velha tática de seguir as
placas e acabei por chegar a Santo Ângelo por um caminho que nunca tinha
passado até aquele dia. Já familiarizado com a parte de estrada que conhecia
foi só alegria... já cheguei direto na Indians (www.indians.com.br) pra contar as peripécias
da viagem e escutar um pouco de lorota daqueles Guaranis.
Ponte internacional Paso de los Libres. Separando os países, o Rio Uruguai.
Entrada de Uruguaiana/RS
No meu caminho “alternativo” tinha ponte que só passava um
veículo de cada vez e essa ponte aí me parece de uma antiga linha férrea.
Última parada pra abastecer – e mim e a moto – antes de
chegar em casa. (cortesia www.rastromotoaventura.com.br)
ILO
Após 16 dias e 9260km rodados, tive a grata surpresa de, a 35km de Itaúna, mais especificamente no Restaurante Pingo de Ouro (BR381), ser recebido por 4 companheiros do Navegantes Motogrupo: Alan, Homero, Marinho e Reimão. É muito bom ter amigos! Obrigado!
RODRIGO
Se há em você paciência para um pouco de
filosofia existencial permeada nada menos que por uma trip sobre duas rodas, vale a pena lê-lo; preferencialmente nas horas
vagas (?) de uma grande viagem de moto.
Mas isso se ainda houver espaço no baú ‘só pra mais um livro’, ou se mesmo com o corpo moído depois de 12h de pilotagem, das cervejinhas e daquela jantinha 'light’ numa biboca perto do hotel, você ainda tiver pique para leitura; que por bom senso deverá ser feita a luz de lanterna para não incomodar o companheiro que na cama ao lado - ou no beliche - ronca absurdamente sem, no entanto, tirar o sorriso de felicidade do rosto, daqueles que só quem viaja de moto entende...rs.
MARCINHO
“Viajando
de motocicleta, vemos as coisas de um jeito completamente diferente. Num carro,
você está sempre dentro de um compartimento e, por estar habituado a isso,
simplesmente não percebe que o que vê pelas janelas do carro é só uma outra
versão da televisão. Você é um observador passivo e tudo passa tediosamente à
sua frente, enquadrado por uma moldura.
Numa
moto, não há moldura. Você entra em contato direto com tudo à sua volta. Está dentro da paisagem, não apenas
contemplando-a, e essa sensação de presença é incrível. O concreto que passa
voando dez centímetros abaixo de seus pés é real, é o mesmo chão no qual você
pisa, está ali, passando numa velocidade tal que é impossível focalizá-lo com o
olhar; mas, quando quiser, você pode baixar o pé e tocá-lo, e a coisa toda, a
experiência como um todo, nunca se afasta da consciência imediata.”
A citação,
felicíssima aos meus olhos, evidentemente não é minha. Mas reforço-a dizendo que para mim, viagem de carro (ou avião) só fica boa quando chego ao
destino, enquanto de moto a própria estrada faz parte do conjunto.
Bem antes de conhecer
– e devorar – o livro ‘Zen e a arte da
manutenção de motocicletas’, escrito pelo filósofo estadunidense Robert M. Pirsig na década de 70 (e ainda
atualíssimo), eu já tinha a mania de nas viagens de moto ‘raspar’ a sola da
bota no asfalto de quando em vez.
Não sei se para mim
esse simples ato ‘torna a experiência mais próxima da
consciência imediata’, mas, de toda sorte, concordo plenamente com o autor que
viajar de moto é um experimento único, extremamente sensorial tanto física
quanto mentalmente.
Particularmente, faço
do 'moturismo' um momento singular de introspecção. Por isso nunca me rendi aos
intercomunicadores, MP3, bluetooth conectado ao celular, etc. Dentro do capacete grito, silencio, canto, e as
vezes até choro; e certamente não quero que – num deslize tecnológico meu – os
companheiros ouçam 'via rádio' meus devaneios...rs. Lado outro,
tampouco desejo passar horas ouvindo outro desafinado cantar, e nem mesmo casos, histórias ou descrições do que eu também acabei de ver, além de repetidas suspeitas de ‘um barulhinho
estranho’ na moto, vontades de ir ao banheiro, etc. Para isso temos as sempre divertidíssimas prosas nas paradas e, pros 'causos' mais longos, os fins de tarde e/ou as noites
numa mesa de bar ou restaurante em nossos destinos; noites que sempre são curtas
quando a turma é boa e que imagino tediosas caso passemos o dia todo conversando na estrada pelo scala rider...
Dito isso, afirmo
minha plena concordância com a boa filosofia de meu amigo cachoeirense e motociclista
Gildo Dalto: “De moto não se viaja ‘junto’. Se fosse pra ir junto, iríamos de
van.” rsrs
Na linha ‘gildoniana’
de raciocínio creio que viajar de moto sempre será uma experiência individual, por mais numeroso seja o
grupo. Afinal, a responsabilidade sobre sua máquina, seu equipamento, sua condição
física e mental, etc., é só sua. A maior parte dos riscos, idem.
Contraditoriamente, a maioria de suas decisões individuais durante e até antes da
viagem muito provavelmente refletirão diretamente em todo o grupo. Daí a necessidade de doses
cavalares de bom senso e sintonia.
Ainda com relação ao
livro de Robert M. Pirisg não o
aceite como sugestão de leitura caso pretenda aprender algo sobre manutenção de
motos... Lá não tem nada disso. Na verdade a viagem de moto serve apenas como
pano de fundo para contar história factual vivida entre pai e filho, que juntos viajam sobre duas rodas por estradas vicinais dos EUA da década de 70.
Mas isso se ainda houver espaço no baú ‘só pra mais um livro’, ou se mesmo com o corpo moído depois de 12h de pilotagem, das cervejinhas e daquela jantinha 'light’ numa biboca perto do hotel, você ainda tiver pique para leitura; que por bom senso deverá ser feita a luz de lanterna para não incomodar o companheiro que na cama ao lado - ou no beliche - ronca absurdamente sem, no entanto, tirar o sorriso de felicidade do rosto, daqueles que só quem viaja de moto entende...rs.
MARCINHO
As imagens, cheiros e sensações ficaram fortes em minha mente. Pilotar se torna uma meditação, vem um nada de pensamento junto com uma vontade de agradecer por estar vivo. Deus existe. Me senti mais perto Dele no deserto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário